Cheguei ao meu quarto e fui direto tomar um banho, sem molhar o cabelo, é claro. Eu não queria estragar a minha escova!
Sai do banho e fui direto colocar um copo de sangue no micro-ondas.
Eu não deveria ficar tanto tempo sem sangue.
Deus, eu tinha estado fantasiando sobre como minhas presas poderiam se afundar no pescoço de dois humanos hoje. E em publico!
Tomei o sangue e me joguei na cama.
Dormir rápido e sem nenhum lobisomem aterrorizante me perseguindo dessa vez. Em compensação... eu sonhei com ele novamente. Marco ‘Delicia’, como diria Carol.
Só que dessa vez ele estava vestido com uma bermuda preta, uma camisa cinza e um tênis preto, seu andar gracioso, seu sorriso lindo. Seus olhos me olhavam com intensidade...
Então apareceu Diogo. Com seus olhos azuis escuros penetrantes, seu sorriso fácil, seu andar despreocupado e se vestia como a primeira vez que eu o vi. Calça de ginástica preta e larga, camisa sem mangas verde e tênis.
Olhei para mim mesma e eu usava um roupão!
Fala sério? Eu estava no meio do pátio da academia com dois deuses gregos em plena luz do dia de roupão?!
***
Quando acordei no domingo não queria me levantar da cama. Sentia-me como se algo tivesse atrapalhado um sonho bom, apesar de não lembrar-me com o que estava sonhando.
“She lives in a fairy tale
Somewhere too far for us to find
Forgotten the taste and smell
Of the world that she's left behind”
Espera ai. Essa é a Hayley cantando?
Então eu entendi por que eu tinha acordado. Meu celular estava tocando.
Levantei-me da cama e fui caçá-lo no meio da minha bagunça.
Onde mesmo que eu tinha deixado ele? Ah, na bolsa que eu tinha saído no sábado.
Peguei o celular.
- Alô?
- Mel? – Carol disse.
- Oi, Carol.
- Mel, você esta bem?
- Estou, por quê?
- Sei lá, sua voz ta meio estranha.
- Ah, é que eu acabei de acordar.
- Hum... Olha eu e o pessoal vamos fazer um piquenique você não quer vir com a gente? Vai ser legal.
- Obrigado Carol, mas eu não vou não. Hoje eu vou treinar um pouco, sabe, magia e acho que também vou fazer alguns exercícios.
- Então esta bem, mas se você mudar de ideia nós estamos no jardim atrás do refeitório.
- Ok, se eu mudar de ideia eu vou.
- Tchau.
- Tchau.
Desliguei o celular e me joguei na cama de novo. Olhei a hora e já eram nove da manhã.
Fiquei na cama tentando convencer o meu corpo a abandonar o desanimo e ir treinar um pouco.
Depois de sabe Deus quanto tempo eu decidi levantar e tomar um banho.
Tomei um banho bem longo. Saí do banheiro, coloquei uma roupa de ginástica e um par de tênis. Enquanto eu penteava os cabelos, um copo de sangue esquentava no micro-ondas. Tomei o sangue e quando ia saindo passei os olhos pelo meu violão. Já fazia tanto tempo que eu não tocava então o peguei e saí do quarto indo direto para o ginásio.
Cheguei no ginásio e como eu tinha esperado estava vazio. Fui para a área de musculação e colocando meu violão cuidadosamente encostado na parede comecei a me alongar.
Após vinte minutos de alongamento fui para a esteira. Já tinha corrido mais de dez quilômetros quando decidi passar para o levantamento de peso. Trinta minutos levantando peso e eu ainda não estava cansada. Olhei para os colchonetes azuis no chão e resolvi fazer abdominais. Duas mil abdominais depois e eu finalmente estava cansada.
Levantei do colchonete e fui ao bebedouro do ginásio. Bebi dois copos d’água e voltei para os exercícios.
Ok, eu confesso que estava um caco, mas eu não ia desistir. Eu tinha que ganhar resistência e para isso eu tinha que superar os meus limites.
Peguei um par de luvas de boxe azuis - que ficava a disposição dos alunos no ginásio -, e fui para o saco de areia.
Não sei quanto tempo fiquei ali, dando socos no saco de areia. Mas eu sinceramente gostei. Nunca tinha treinados socos antes. Para falar a verdade eu nunca tinha dado um soco antes. O primeiro soco que eu dei o saco de areia fez um giro de 360° quase batendo na minha cabeça. Ainda bem que o teto do ginásio era alto e reforçado, por que se não fosse era adeus teto. Mas depois de quase levar uma sacada na cabeça e quase quebrar o pulso eu aprendi.
Já estava arfando quando eu parei de socar o saco de areia. Tirei as luvas e deitei em um dos colchonetes. Uns minutos depois já não estavam arfando tanto, então resolvi pegar o violão e tocar um pouco.
De repente me senti um pouco melodramática. A última vez que eu toquei eu estava com Daniel e Luiza. Eu sentia tanta falta do meu pai! E Luiza? Como eu sentia falta da minha amiga. Isabel e Carol eram boas amigas, mas nunca seriam como Luiza...
Comecei a tocar; as notas combinando entre si, formando uma melodia completamente nova, minha voz fluía acompanhando a nova composição.
Estava tão distraída com minha nova composição que só percebi que alguém tinha entrado no ginásio quando uma voz, baixa, ligeiramente rouca, muito sexy, disse:
- Pardon!
Virei-me para ver a fonte de tal voz e... arfei!
Era ele! Marco.
Ele estava vestido com uma calça de ginástica, preta e larga, uma regata branca e tênis. Básico e surpreendentemente perfeito.
Fiquei encarando-o feito uma lesa.
Mas hei alem do cara ser lindo, tem uma voz mega sexy com um sotaque francês!
Ele balançou a cabeça de um lado para o outro como se precisasse clareá-la.
- Desculpe. – ele disse.
Como se eu não falasse francês.
- Ah, relaxa! – eu disse tentando não babar.
Ele sorriu e eu quase desmaiei.
- Não queria atrapalhar. – ele disse.
- Não atrapalhou. – eu disse.
- Marco Sartre. – ele disse estendendo sua mão para mim.
- Melany Lisli. – eu disse apertando sua mão. Deus sua mão é tão macia.
Menos Melany, menos. Repreendi-me mentalmente.
Quando soltamos nossas mãos ele sentou-se no chão ao meu lado e disse:
- Sério, não queria atrapalhar mesmo, é só que não tem ninguém aqui domingo à essa hora, e eu gosto de treinar quando o ginásio está silencioso. – ele disse com um meio sorriso que o deixava mais charmoso ainda.
- Sério não atrapalhou, na verdade, acho que sou eu quem deve pedir desculpa. – eu disse sorrindo também.
- Bom então acho que estamos quites. – ele disse.
- Então acho que vou deixar você treinar e...
- Não precisa sair correndo. – ele disse me interrompendo. – Você chegou primeiro, tem todo direito de ficar.
- Mas você vem aqui há mais tempo... – eu disse.
- Não me importo em dividir. – ele sorriu.
- Então, ok. – eu disse sorrindo também.
Era impossível não sorri de volta.
- Então o que está achando da academia? – ele perguntou.
- Eu gosto daqui, mas ainda estou me acostumando.
- Você nunca freqüentou uma academia antes? – ele disse erguendo perfeitamente uma sobrancelha.
- Não, só algumas escolas humanas.
- Deve ter sido muito tedioso. – ele disse sorrindo.
- Você não sabe como. – eu disse.
- Na verdade sei.
- Você já estudou em escolas humanas?
- Sim, mas já faz muito tempo. – ele disse com os olhos distante como se visse algo muito longe.
Por alguns momentos pensei que ele havia se esquecido que eu estava ali. Então ele me olhou e disse sorrindo:
- Seu elemento é ar, certo?
- Sim, ar. O seu é...?
- Fogo.
Apropriado, pensei. O elemento mais forte para um cara que emana poder e força de todos os poros de seu perfeitamente lindo corpo.
- Deve ser incrível ter um elemento tão forte.
- É, mas com grandes poderes vêem grandes responsabilidades. – ele disse seriamente.
- Eu sei. – eu disse seria também.
- Você é muito poderosa, não é?
- É o que dizem. – eu disse desviando o olhar.
- Não gosta do seu elemento? – ele perguntou entendendo mal minha reação.
- Não é isso, é só que todo mundo fica dizendo o quanto eu sou poderosa e mesmo assim eu não consigo nenhum progresso significativo. – eu disse frustrada.
Ficamos em silencio por uns instantes e então ele se levantou e disse:
- Você veio aqui só para tocar violão ou para treinar também. Ah, você toca realmente bem e sua voz é perfeita. – ele disse dando aquele sorriso de lado perfeito.
- Obrigada. – eu disse corando e desviando o olhar. – Eu... hum... já treinei. Eu vim aqui para treinar.
- Disponha. E você treinou sozinha?
- Sim.
- E onde esta o seu instrutor? Ouvi dizer que iam te conseguir um.
- Não faço a mínima ideia de onde Diogo esteja, e também não é como se ele tivesse que ficar a minha disposição.
- Diogo? Diogo Salles?
- É, você o conhece?
- Sim, conheço, nós somos amigos. Só não sei por que Diogo não disse que era ele o seu instrutor.
- Vai ver ele esqueceu.
- É, vai ver ele esqueceu. Quer treinar comigo? – ele disse sorrindo.
- Claro.
Ele pegou dois pares de luvas de boxe azuis, me deu um e colocou o outro – enquanto ia em direção ao saco de areia.
- Vamos fazer assim: você segura o e eu bato depois eu seguro e você bate, tudo bem? – ele disse.
- Tudo bem.
Eu segurei o saco e ele começou a socar. Ele, como eu imaginei, era super forte. Confesso que foi um pouco difícil pra mim manter o saco no lugar. Ele habilmente dava socos ages e em uma sequencia incrivelmente rápida. Se eu não fosse uma vampira com certeza não teria visto os braços dele se movendo. Era tão rápido que para um humano pareceria que ele não estava se movendo, como se ele estivesse todo o tempo parado na mesma posição.
Conforme o tempo foi passando a força também aumentou, eu, sinceramente, não sei como eu consegui segurar.
Depois de sabe se lá quanto tempo ele parou de socar e disse:
- Acho que é o suficiente. Agora é sua vez, vamos?
- Bom, isso vai ser humilhante, mas vamos lá.
Ele apenas sorriu tirando as luvas e seguro o saco de areia.
Eu coloquei as luvas, respirei fundo e dei o primeiro soco.
Como antes a sensação era ótima. Meus socos foram ficando mais rápidos, nada como os do Marco, claro, mas mesmo assim rápidos. A força também foi aumentando. Eu estava tão focada que tudo na sala sumiu - ate mesmo o Marco -, as únicas coisas que eu via era o saco de areia e as luvas azuis o acertando.
Direita esquerda.
Direita esquerda.
Mais forte.
Direita esquerda.
Direita esquerda.
Mais rápido.
Direita esquerda.
Direita esquerda.
- MELANY! – alguém gritou.
Parei, pisquei, pisquei de novo. Olhei para o lado e vi Marco, com as sobrancelhas juntas. Pisquei de novo.
Sorri.
- Hei, não grita comigo.
- Te chamei, umas dez vezes e você não escutou. – ele disse sorrindo.
- Oh, desculpe. – eu disse timidamente desviando o olhar.
- Não tem o que desculpar. – ele disse ainda sorrindo. – E, uau! Você é forte e rápida. Diogo está fazendo um ótimo trabalho.
- Bem, na verdade a única coisa que ele me mandou fazer até agora foi corre levantar peso e fazer abdominais. – eu disse.
- É?
- É.
- Mas você é forte e rápida do mesmo jeito. Quantos anos você, tem?
- Cinquenta e cinco.
- Só?
- Hei, eu não sou tão nova assim. – eu disse.
- Na verdade você é.
- Está certo, Sr. Terceira idade. – eu disse ironicamente.
- Você não deveria falar assim com os mais velhos, senhorita Lisli. – ele disse sorrindo.
- Ah, fala serio, você tem o quê, cem anos?
- Mais. – ele disse olhando-me intensamente.
- Cento e cinquenta?
- Mais.
- Duzentos?
- Mais.
- Duzentos e cinquenta?
Ele negou com a cabeça. – Mais.
- Tudo bem, desisto. Quantos anos você tem?
- Trezentos e vinte.
- O QUE? – eu gritei. Meus olhos se arregalaram e minha boca abriu em um perfeito “O”.
- Trezentos e vinte. – ele disse com aquele meio sorriso perfeito.
- Ok, então por que você é aluno e não professo? Quer dizer você deve ser mais velho do que a nossa diretora!
- Acho que é melhor ser aluno do que professor. Sim, muito melhor ser aluno, professor tem muitas responsabilidades. – ele disse sorrindo.
- Você não gosta de responsabilidades?
- Em algumas ocasiões sim, mas ser professor é uma responsabilidade desnecessária pra mim. Prefiro outro tipo de responsabilidade. – ele disse me olhando intensamente.
Desviei o olhar.
De repente todo o cenário mudou. Ao invés de ver o ginásio com suas paredes altas e brancas, suas grandes janelas, colchonetes azuis, equipamento de musculação e tudo mais que havia no ginásio eu via outra coisa...
Pisquei tentando voltar a realidade, mas a nova realidade não se dissipava.
Eu estava em um quarto de casal, feito de madeira, neste quarto existia uma janela que estava aberta de dela via-se o inicio de uma floresta. Uma cama de casal coberta por uma colcha de retalho ficava em baixo da janela, ao lado da cama havia uma poltrona de couro negro, onde uma mulher estava sentada com um bebê no colo.
Essa mulher era morena, seus cabelos lisos castanho-médio, seus olhos estavam baixos olhando para o bebê, por isso não pude ver a cor, mas suas feições eram angelicais. Um sorriso carinhoso surgiu em seus lábios quando o bebê deu uma gargalhada gostosa que só bebês são capazes de dar.
- Minha menininha, a mamãe te ama tanto. – disse a mulher em um tom triste. Lagrimas começaram a fluir dos olhos da mulher.
Eu não sabia o que estava acontecendo, até o momento eu estava perfeitamente imóvel, mas hesitantemente cheguei mais perto.
O bebê era uma menina, vestia um macacão rosa, mas estava enrolada em uma manta azul, sua pele era morena, seus cabelos preto-azulado, - exatamente da mesma tonalidade do meu -, seus pequenos olhos estavam fechados, mas então se abriram... no mesmo momento a mulher que levantou o olhar e aqueles olhos, os das duas, eu já tinha visto aqueles olhos antes. Eu os encarava todos os dias na frente do espelho... os olhos delas exatamente iguais aos meus...
Escuridão.
Mãos grandes e quentes emolduraram meu rosto.
Abri os olhos. Um par de olhos de cor mel me encarava de tão perto que pude ver meus olhos refletidos neles. Senti seu hálito quente no meu rosto, cheirava a menta.
- Você está bem? – ele disse.
- Sim. – eu disse fracamente.
- O que aconteceu?
- Eu... err... – como eu ia explicar isso a ele? – Não aconteceu nada.
- Melany, é claro que aconteceu alguma coisa. De um segundo para o outro seus olhos ficaram desfocados por, sei lá, uns cinco minutos e você ficou extremamente parada, depois seu corpo ficou mole e você caiu de olhos fechados.
- Oh! – foi a única coisa que eu consegui dizer.
Como tudo isso aconteceu?
- Eu estou preocupado com você! Diga-me o que aconteceu, talvez eu possa te ajudar. – disse Marco, sua voz carregada d preocupação.
O que foi aquilo? Éramos realmente eu e minha mãe? Como isso aconteceu? Era uma lembrança?
Lagrimas nublaram meus olhos e Marco me abraçou. Os soluços se juntaram as lagrimas, eles vinham fortes e altos fazendo meu peito tremer.
- Calma, eu estou aqui. Shsh. – disse Marco suavemente.
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